segunda-feira, 27 de junho de 2011

Estradas de luto e árvores com cuecas



Nos anos sessenta do século passado, corria no Alentejo, a seguinte versão da suprema felicidade aldeã:
- “A gente quer as estradas de luto e as árvores com cuecas.”
Significava isto que o bom povo alentejano, farto de caminhos municipais degradados, via com bons olhos, a chegada das estradas de alcatrão ou pavimentadas com paralepípedos, sob a supervisão da Junta Autónoma das Estradas. A imagem de marca desta instituição, era a caiação no tronco e por vezes nas pernadas das árvores que ladeavam as estradas. Tratava-se simultaneamente duma sinalização de segurança e duma marca de posse, consumada pelos cantoneiros com cal branca e um basto pincel, aparelhado numa cana de caiar.
Nesse tempo, não tínhamos nem a “Brisa”, nem as “Estradas de Portugal” e sentíamo-nos bem. Pela minha parte, quando pela estrada fora, ia de Estremoz para Monforte, sentia-me um personagem da “Aldeia da Roupa Branca”, a progredir num estendal de alvinitentes cuecas.
Também nos montados, após a tiragem da cortiça e para memória futura, os sobreiros eram marcados com cal branca, que além de bio-degradável, era anti-séptica, como bem sabiam as sábias mulheres do povo, que as usavam na caiação dos montes e das casas de povoado. Tudo isto, foram salutares e ancestrais hábitos que se perderam.
Hoje entrei numa drogaria de bairro, para comprar uma folha de lixa para polir madeira. Já de saída, ouço um rapaz, provavelmente saído dessas novas oportunidades que por aí há, que com voz de falsete debitou ao balcão:
- “Oh amigo, arranje-me aí uma lata de cinco litros de tinta plástica branca, que é para pintar os sobreiros!”.
Cá fora, na rua estreita, outro rapazola seu comparsa, ao volante dum automóvel, atravancava a rua, enquanto esperava pelo primeiro, para carregar a penosa carga de cinco litros de tinta plástica branca.
Ia-me dando uma coisa ruim, porque sempre detestei gente estúpida que em nome duma pseudo-modernidade, que ninguém lhes ensinou o que era, revoga sensatas tradições ancestrais. De resto, nunca pude com fascistas, que é o nome que dou aos egoístas, que entendem atrapalhar o trânsito por conveniência própria, ignorando olimpicamente a existência dos outros.
Nessa altura, eu que sou ateu, disse para comigo mesmo:
- “Perdoai-lhes pai, que eles não sabem o que fazem!”
Se porventura as minhas preces foram ouvidas, estou convencido que o Engº Vieira Natividade, o “Papa” da subericultura mundial, deve ter dado duas voltas no túmulo, face ao incómodo da situação. E vocês:
- "Que dizem?"

8 comentários:

  1. Perderam-se as centenas de espécies de arbustos e árvores que ladeavam as estradas, evitavam a erosão e davam consistência aos taludes. Perdeu-se o saber acumulado de milhares de cantoneiros que também vigiavam as estradas, e que, mantinham os seus cantões limpos, sem buracos nas estradas e perfeitamente drenáveis.
    Ganharam os Bancos e os consórcios de construção de obras públicas perdeu a paisagem e o erário público.

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  2. Há um mandamento qualquer que diz que devemos corrigir os que erram.
    Se o "ingenheiro" pediu tinta plástica, devia ter sido imediatamente corrigido!

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  3. Se fosse só a tinta plástica nos sobreiros, poderiamos todos dormir descansados... é mais rápido de aplicar, não é proibido, o resto que interessa??? É como os pesticidas nos nossos alimentos, são mais fáceis de aplicar, são promovidos pelos serviços oficiais, o resto, que interessa? E tantos outros exemplos... e no final de contas, no final, a malta queixa-se que teve azar. Se calhar não rezou o suficiente para as coisas serem melhores...

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  4. João Paulo:
    Obrigado pelo seu comentário.
    Infelizmente há muita falta de civismo da parte de algumas pessoas, assim como insensibilidade para as questões ambientais. Urge combater isso.
    Os meus cumprimentos.

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  5. Desta vez, tenho de discordar com a crítica velada feita ao rapaz que foi comprar a tinta branca de plástico! A razão da minha discordância é não se saber quais os estudos que o rapazote teria se é que os tem. Em segundo lugar a tinta não seria para fazer as cuecas aos sobreiros mas sim para marcar o ultimo dia do ano em que a cortiça foi tirada para não acontecer tirar a cortiça antes dela ter nove anos feitos na próxima tirada. Até o meu amigo sem certamente se aperceber, disse que foi comprar uma folha de lixa para polir madeira e não para lixar madeira. Será que esse moço não andará agora nesta altura a calcorrear de sobreiro em sobreiro a pintar o nº 3 ?... Estarei eu também enganado no meu comentário? Aceito com agrado as críticas que me queiram fazer se estivar enganado quanto a lixa para polir! Obrigado! Sr. Hernâni Matos.

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    1. Amigo Fonseca:
      Naturalmente que a tinta era pintar o ano da extracção da cortiça. Eu começo por dizer: "Também nos montados, após a tiragem da cortiça e para memória futura, os sobreiros eram marcados com cal branca, que além de bio-degradável, era anti-séptica, como bem sabiam as sábias mulheres do povo, que as usavam na caiação dos montes e das casas de povoado. Tudo isto, foram salutares e ancestrais hábitos que se perderam." e mais adiante ponho na boca do rapaz a frase:" - “Oh amigo, arranje-me aí uma lata de cinco litros de tinta plástica branca, que é para pintar os sobreiros!”.
      Quanto ao "polir" e ao "lixar" se consultar o Dicionário de Língua Portuguesa da Priberam (Porto Editora) que está no meu blogue, verá que: “LIXAR” significa “Desgastar com lixa, para tornar liso” e é sinónimo de “ALISAR” e de “POLIR”. Logo o que eu escrevi está correcto.
      Um abraço para si, amigo.

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  6. :)
    ...e quanto ás estradas, também me lembro de os meus avós se referirem à estrada para Estremoz..."Estrada Nova" que, pelos vistos também não era alcatroada na juventude de ambos...era, salvo erro "macadame"!?

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