O 1º de Abril na minha infância
À semelhança de outros cidadãos, fui naturalmente e por ingenuidade, vítima de brincadeiras do 1º de Abril. A primeira deve ter ocorrido quando tinha para aí uns nove anos de idade e frequentava a instrução primária. O meu pai tinha uma oficina de alfaiate no primeiro andar da casa onde morávamos, na rua da Misericórdia, em Estremoz. Quando cheguei a casa vindo da escola, uma costureira que me ouvira a subir a escada, apareceu de rompante e disse-me para eu não subir e ir ao armazém do Senhor Tabaquinho, no Rossio Marquês de Pombal, que era o meu pai que mandava. Era para trazer 1 metro de entretim amarelo, que se tinha acabado e que dissesse que o meu pai ia lá pagar depois. Entreguei-lhe então a sacola da escola e lá fui eu a caminho do armazém do Senhor Tabaquinho. Chegado lá, puto espigadote, declaro ufano:
- Senhor Tabaquinho: quero 1 metro de entretim amarelo, que o meu pai depois vem cá pagar.
Qual não foi o meu espanto, quando o Senhor Tabaquinho e com ele todos os empregados, começaram a rir a bandeiras despregadas.
- O que é que aconteceu para se estarem a rir dessa maneira? - Perguntei eu.
Responde o Senhor Tabaquinho:
- Foi o teu pai que te mandou cá?
- Não Senhor Tabaquinho, foi uma empregada. – Respondi eu.
Diz-me então o Senhor Tabaquinho:
- Sabes uma coisa rapaz? A tua encomenda é muito estranha. É que não existe entretim amarelo, o teu pai compra sempre à peça e paga logo. Sabes que dia é hoje? É o 1º de Abril. É o dia das mentiras. Sabes uma coisa? A empregada que te mandou cá pregou-te uma partida. Não te arrelies que a mim também me fizeram o mesmo há muito tempo e ainda aqui estou.
Ouvido isto, lá fui para a oficina com o rabo entre as pernas e quando entrei algo cabisbaixo, houve risota geral das costureiras. Porém, eu ericei o pelo da venta, arrebitei o nariz e proclamei:
- Não me voltem a enganar! Metam-se com os rapazes da vossa idade!
A risota acabou e o meu pai ficou a saber o que se tinha passado, exclamando então:
- O gaiato tem razão. Vocês não têm juízo nenhum…
Este foi o meu baptismo de 1º de Abril. Depois disto e que me lembre, caí numa esparrela mais uma vez e logo no ano seguinte, quando fui para o 1º ano do liceu. No início dum intervalo, um aluno do 5º ano, disse-me assim:
- Enquanto eu aproveito o intervalo para fumar um cigarro, preciso que vás ali à Difarsul e me compres cinco tostões de electricidade em pó, pois como sabes sou interno no Colégio e tenho uma avaria na electricidade lá do quarto. Toma lá o dinheiro e não te demores pá, para chegares antes do toque da sineta para a entrada, senão ainda tens falta.
Eu, porque me dava bem com ele, dispus-me sem hesitações a ser prestável e a ir fazer o avio, até porque a Difarsul, vendedora de produtos químicos, ficava a 100 metros dali. Chegado lá, disse ao que ia, enquanto punha a moeda para pagamento em cima do balcão.
Resposta do funcionário:
- Oh rapaz, guarda o dinheiro e diz a quem te mandou cá que tenha juízo! Fica a saber que electricidade, só por fios. Sabes uma coisa? Caíste numa brincadeira do 1º de Abril.
Cabisbaixo, voltei a correr para o Colégio para não chegar atrasado às aulas. Chegado ao pátio, disse ao colega mais velho:
- É pá, tu enganaste-me! Pregaste-me uma partida, mas toma lá a moeda que é tua.
Ele deu-me uma palmada no ombro e respondeu-me:
- Pois preguei, que é para ver se espertas!
Ficámos amigos à mesma e eu tomei aquela partida como advertência. A partir daí tornou-se difícil pregar-me partidas no 1º de Abril.
BIBLIOGRAFIA
[1] - BRAGA, Teófilo. O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições. Livraria Ferreira – Editora. Lisboa, 1885.
Publicado inicialmente a 31 de Março de 2012