quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Maria de Santa Isabel - Um nome que falta na toponímia estremocense


Maria de Santa Isabel (1910-1992)

O contexto familiar
Em 16 de Abril de 2010 teve lugar o I Centenário do Nascimento de Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide (16/04/1910-13/01/1992), grande poetisa estremocense, conhecida por Maria de Santa Isabel.
Era filha de Ruy Sande Menezes Vasconcellos, proprietário, natural de Estremoz e de Maria Ana de Souza Coutinho Osório de Castro, doméstica, natural de Mangualde.
O seu avô paterno, Alberto de Castro Osório (1868-1946) foi juiz, político, escritor e poeta.
A sua tia-avó, Ana de Castro Osório (1872-1935), grande paixão do poeta Camilo Pessanha (1867-1926), foi escritora, jornalista, pedagoga, feminista, maçónica e militante republicana.
O poeta Mário Pires Gomes Beirão (1890-1965) foi parente de Maria Palmira.
O avô, a tia-avó e o parente frequentavam a Casa da Horta Primeira na Rua da Levada em Estremoz, onde Maria Palmira vivia com os pais e via a mãe a pintar. Foi num ambiente familiar artístico-literário que Maria Palmira cresceu a ouvir poesia, o que modelou o seu espírito e a sua sensibilidade de poetisa e contribuiu para que a poesia passasse a preencher a sua Vida.
Maria Palmira casou a 15 de Abril de 1928 com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (9/8/1903-27/7/1979), então empregado de comércio, filho do capitão de cavalaria, Roberto Maria Alcaide, do Alandroal e de Maria das Pedras Alvas Gomes Carmelo, de Estremoz. O noivo era irmão de Tomaz de Aquino Carmelo Alcaide (16/02/1901-9/11/1967), tenor lírico de projecção internacional e viria a estabelecer-se por conta própria com um armazém de tabacos no Largo General Graça. Autodidacta, revelar-se-ia um excelente pintor, caricaturista, maquetista, cenógrafo e dramaturgo.

A obra poética
Maria Palmira foi colaboradora assídua do semanário estremocense Brados do Alentejo na secção Musa Alentejana, bem como da revista católica Stela, onde publicou poesia sob o pseudónimo Maria de Santa Isabel.
Nos anos 40-50 do séc. XX desenvolveu em conjunto com o seu marido, intensa actividade cultural no Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide, de quem o seu cunhado era patrono. São dessa época, as peças de teatro musicado “Chitas e buréis”, “S.O.S”, “Feitiço de Ilusão”, “Terra de Folia”, que foram objecto de intercâmbio com grupos corais do Alentejo, Beiras e Algarve. O casal cooperou, de resto, em inúmeras actividades associativas e realizações populares como marchas e ranchos que deram animação à cidade.
A bibliografia poética de Maria de Santa Isabel inclui: FLOR DE ESTEVA (1948), SOLIDÃO MAIOR (1957), TERRA ARDENTE (1961), FRONTEIRA DE BRUMA (1997), POESIA INÉDITA (A editar).
De Maria de Santa Isabel nos fala Urbano Tavares Rodrigues na Obra “O ALENTEJO – ANTOLOGIA DA TERRA PORTUGUESA”: “Tanto em Mário Beirão, como na sua discípula Maria de Santa Isabel (“Flor de Esteva”, “Terra Ardente”, 1951, “Solidão Maior”, 1957), delicadamente receptiva à paisagem — “Solidão Maior”, o seu último livro e o menos retórico, é um valioso documento de sensibilidade alentejana, vibrante, magoada e desolada como essa mesma terra com que visceralmente ela se identifica — vizinham os motivos alentejanos e espanhóis: as fuscas azinheiras, “o cilício doirado dos restolhos”, a par dos austeros pragais castelhanos e estremenhos e da passional alacridade anda­luza, explosiva e odorante.”
No jornal Brados do Alentejo de 1 de Fevereiro de 1992, é dada notícia do falecimento de Maria de Santa Isabel e ao que julgo pela pena de Joaquim Vermelho, o único membro da redacção que privara com ela e conhecia bem a sua Obra. Aí é caracterizada a sua poesia nestes termos: “Todo o seu trabalho deixa transparecer o seu amor ao Alentejo, porque mesmo o que se nos apresenta mais marcadamente intimista e pessoal, denuncia a sua alma alentejana, o clima e ambiente onde cresceu; esta paisagem dramática; esta natureza agreste mas cativante, onde tudo tem um ar sério e grave”.

Homenagem Póstuma
No dia 16 de Abril de 1994, Maria de Santa Isabel, foi alvo de uma Homenagem Póstuma, promovida pela Câmara Municipal de Estremoz e pelo Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide. A cerimónia, presidida pelo então Presidente do Município, José do Nascimento Dias Sena, incluiu múltiplos actos: - Na Biblioteca Municipal inauguração da Exposição Documental e Fotográfica sobre a Obra da Homenageada; - No Salão Nobre dos Paços do Concelho, conferência do escritor António Manuel Couto Viana, que falou sobre a Obra Poética da Homenageada, com declamação de poemas a cargo da declamadora Maria Germana Tanger; - Descerramento de uma lápide invocadora na fachada da Casa da Horta Primeira, onde nasceu, viveu e faleceu a poetisa; - Missa de Sufrágio na Igreja de São Francisco.

A ausência na Toponímia
Maria de Santa Isabel morou sempre na chamada “Rua da Levada / Rua Narciso Ribeiro”, cuja denominação resultou de o seu subsolo ser atravessado por uma conduta de água que parte do Lago do Gadanha e que depois de atravessar as hortas, vai desaguar no chamado “Ribeiro da Vila”. Actualmente toda a cidade é atravessada por condutas de água, pelo que o topónimo perdeu a importância de outrora e carece presentemente de significado. Tal facto constitui razão suficiente para alteração, conforme prevê o Regulamento de Toponímia e Numeração de Polícia do Concelho de Estremoz.
Maria de Santa Isabel foi uma individualidade de relevo, não só a nível concelhio, como também nacional, pelas suas elevadas qualidades humanas, cívicas, culturais e sociais, que são princípios a ter em conta na atribuição e alteração de topónimos, conforme estipula aquele Regulamento.
Face ao exposto e nas condições do Artigo 21.º da referida Regulamentação, o signatário propõe à Câmara Municipal de Estremoz a alteração do topónimo “Rua da Levada / Rua Narciso Ribeiro” para “Rua Maria de Santa Isabel” e, por arrastamento, a alteração do topónimo “Travessa da Levada” para “Travessa Maria de Santa Isabel”. Ao fazê-lo, o signatário tem plena consciência de interpretar uma justa aspiração de familiares, amigos e admiradores, que dela sentem uma enorme saudade e que entendem ser esta a via mais adequada de perpetuar a sua Memória, indiscutivelmente justificada pela sua Vida e Obra.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

63 - Berços do Menino Jesus - 2


 Berço.
Maria Luísa da Conceição (1934-2015).
Colecção particular.
Arte portuguesa - 1
Pelo menos desde o séc. XIII-XIV que a figura do Menino Jesus, despido ou parcialmente coberto, deitado num berço improvisado e com palhinhas, aparece representado na arte portuguesa. Passo seguidamente a referir os registos mais importantes por mim identificados:
- PINTURA: - ADORAÇÃO DOS PASTORES - Jorge Afonso (c. 1470 – c.1540). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - Gregório Lopes (c. 1490-1550). Museu Nacional de Arte Antiga; - PRESÉPIO - Círculo de Gerard David (1495–1510). Museu de Évora; - NATIVIDADE - Vasco Fernandes (act. entre 1501 e 1540). Museu Nacional Grão Vasco, Viseu; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - Jorge Afonso (c. 1470 – c.1540). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES (c.1550) - Mestre de Abrantes (Cristóvão Lopes?) com colaboração de Francisco de Campos.  Retábulo-mor da Misericórdia de Abrantes; - NATIVIDADE - Vasco Pereira Lusitano (1535-1604). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES (c.1565) – Mestre de S. Brás. Ermida de S. Brás, Évora; - NATIVIDADE - Vasco Pereira Lusitano (1535-1604). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - André Reinoso (activo entre 1610-1641). Capela do Palácio de Belém, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - Bento Coelho da Silveira (1620-1708). Museu de Lamego; - NATIVIDADE - Josefa de Óbidos (1630–1684). Colecção particular, Porto; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - Josefa de Óbidos (1630–1684). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - S. FRANCISCO DE ASSIS E SANTA CLARA ADORANDO O MENINO JESUS - Josefa de Óbidos (1630–1684). Colecção particular, Lisboa; - ADORAÇÃO DOS PASTORES - André Gonçalves (1686-1762). Convento de Cristo, Tomar.
- PAINÉIS DE AZULEJOS: - RETÁBULO NOSSA SENHORA DA VIDA (c. 1580). Museu Nacional do Azulejo, Lisboa. Atribuído a Marçal de Matos; - A NATIVIDADE (séc. XVIII). Igreja de Arrentela, Seixal; - NATIVIDADE (1746 - 1754). Igreja Basílica do Senhor do Bonfim. São Salvador, Bahia; - ADORAÇÃO DOS PASTORES (séc. XVIII) - Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, Estremoz.
- ESCULTURAS EM PEDRA: - NATAL DO SENHOR (séc. XIII-XIV) – Autor desconhecido. Retábulo do Claustro da Sé Velha, Coimbra; - NATIVIDADE (1517) - Nicolau Chanterene. Nicho da zona superior do portal axial. Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Candidatura do Figurado de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade


Figuras de barro de Estremoz. Museu de Arte Popular, Lisboa.
(Revista "Panorama”, nº 12, III Série, Dezembro de 1958)

Desde 15 de Maio de 2014 que mantenho no jornal Brados do Alentejo, a secção BONECOS DE ESTREMOZ A PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE, que já vai no nº 63. Aí, logo no nº 1, jurei pôr o meu verbo e o resto da gramática, ao serviço da Candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Daí que a secção se tenha assumido como trincheira e tribuna, a manter viva até à vitória final daquela Candidatura. Lá expliquei que o fazia porque os bonecos de Estremoz me estão na massa do sangue, visto que comigo partilham o contexto antropológico, social ou religioso que esteve na sua génese. Falam-me também do seu criador e dos sonhos que lhe povoam a mente, bem como das técnicas ancestrais que o artista popular domina e que lhe brotam à flor das mãos.
Para mim, cada boneco é fruto de uma relação de amor de quem procura fazer tudo a partir do nada que é a massa informe de barro, mas que é também a expressão viva do ganha-pão diário de quem tem necessidade de assegurar a sua subsistência e a dos seus.
Vejo cada boneco como um panfleto de cores garridas e de claridades do sul, próprias desta terra transtagana. Para mim, tomar um boneco nas mãos, é criar sinestesias que envolvem os meus 5 sentidos. É como possuir uma bela mulher que me enche as medidas e por quem sinto exactamente o mesmo desejo da semente que fecunda a Terra-Mãe.
Como coleccionador e como investigador da barrística local, amo os bonecos de Estremoz e subscrevo desde a primeira hora, com alma e coração, a sua Candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Esta candidatura foi em devido tempo apresentada pelo Município, seguindo todos os trâmites legalmente previstos e contando com a assessoria técnico-científica de Hugo Guerreiro, Director do Museu Municipal, que ali tem desenvolvido um trabalho notável.
No presente, o figurado de Estremoz além de figurar no Inventário Nacional de Património Cultural Imaterial, já tem a sua candidatura entrada na UNESCO, como se pode concluir por consulta do respectivo website.
O Museu Municipal de Estremoz é actualmente Centro UNESCO para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz e no início do mês passado, estiveram em Estremoz representantes da Federação Portuguesa das Associações Centros e Clubes UNESCO, para assinatura de um Protocolo de Parceria Estratégica, no âmbito do Centro UNESCO, para a valorização e salvaguarda dos Bonecos de Estremoz.
A decisão da UNESCO relativamente à candidatura apresentada pelo Município será conhecida em finais de 2017.
O noticiário do Município tem divulgado publicamente todas as etapas do processo e a imprensa tem feito a divulgação das mesmas, o que eu posso confirmar, já que sei do que estou a falar. Dai que não perceba quais as reais intenções de quem na imprensa local, pareça querer pôr a candidatura em causa, ao afirmar que “Em Estremoz … não se sabe ao certo”. Quem tem acompanhado os noticiários do Município e a imprensa local, regional e nacional, sabe. Quem não sabe e fala do que não sabe, fica mal na fotografia. 

sábado, 14 de janeiro de 2017

Salvemos a olaria! - II

OLEIRO DE ESTREMOZ – Fotografia obtida nos anos 30 do séc. XX, por Rogério de
Carvalho (1915-1988), grande fotógrafo de Estremoz.

No do passado dia 1 de Dezembro, no nº. 165 deste jornal, vem inserida a reportagem   “Autarquia, escola e emprego apoiam a iniciativa”. Este trabalho foi despoletado pela minha crónica “Salvemos a olaria”, publicada a 17 de Novembro, no nº. 164 do jornal. Os depoimentos prestados pelos inquiridos, CME, ESRSI E IEFP, além de serem do meu agrado, ultrapassaram as expectativas iniciais, o que não obstou que procurasse clarificar algumas dúvidas, para o que contactei o próprio IEFP.

Ponto da situação  
O balanço final da análise sobre o assunto em epígrafe, permitiu-me extrair as seguintes conclusões:
1 - O IEFP tem disponíveis 2 cursos de formação na área da olaria, os quais conferem equivalência ao 6º e ao 9º ano de escolaridade. Os cursos incluem disciplinas de formação geral, correspondentes às do ensino tradicional e, disciplinas de formação específica, correspondentes à área da olaria;
2 - O IEFP escolhe os formadores e assume os encargos com os cursos, os quais se for caso disso, poderão ter início, ainda em 2017;
3 - A abertura de inscrições é feita pelo IEFP, na sequência de solicitação que lhe seja formulada por entidades com capacidade para o fazer: Câmaras Municipais, Associações Comerciais ou Associações de Artesãos;
4 – De acordo com as inscrições, poderá funcionar só um curso ou os dois;
5 - O IEFP dispõe de 4 salas de aulas na ESRSI, as quais poderão ser utilizadas no ensino teórico. Todavia, para além disso, é necessária mais uma sala ampla destinada à olaria, na qual possam coexistir dois espaços distintos. Um para ali funcionarem as rodas de oleiro e um forno eléctrico. O outro destinado à secagem e armazenamento de peças já cozidas. É fundamental que a sala disponha de água canalizada e capacidade de escoamento da mesma;
6 - Para a sala de olaria poderão ser transferidas rodas de oleiro e um forno que o IEFP dispõe noutro local.

Que fazer então?
1 - Há que solicitar ao IEFP a criação dos cursos, o que a meu ver deveria ser feito pela CME, já que esta, conforme afirma, tem consciência da necessidade de recuperação e salvaguarda da olaria, actividade artesanal característica do concelho. Por outro lado é, quem em termos institucionais tem não só legitimidade como a responsabilidade de o fazer;
2 - O problema da sala com as características apontadas, talvez possa ser resolvido pela ESRSI, o que além de a meu ver ser desejável, seria também emblemático. Foi nela que nos anos 30 do séc. XX e graças à acção do então Director Sá Lemos, foi recuperada a tradição da manufactura dos bonecos de Estremoz, o que permitiu que no presente sejam candidatos a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Ao envolver-se na recuperação e salvaguarda da olaria, a ESRSI assumiria de novo um papel histórico na ligação à comunidade educativa, que é razão da sua existência;
3 - O processo de recuperação e salvaguarda da olaria de Estremoz carece de um início. A meu ver, este deveria ser uma reunião a ser convocada pela CME, a qual juntasse à mesma mesa, um representante da ESRSI e outro do IEFP. Aqui fica a sugestão.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Auto dos barristas falecidos


 ESTREMOZ – Fotografia obtida nos anos 40-50 do séc. XX, pelo
fotógrafo Artur Pastor (1922-1999), natural de Alter do Chão.

A memória colectiva da cidade de Estremoz conta no seu acervo com um núcleo notável de figuras populares muito estimadas pela comunidade. Entre elas figuram os barristas nascidos no século XX e já falecidos. Foram eles que com as suas mãos mágicas, transmitiram de geração em geração, a arte de fazer bonecos ao modo de Estremoz, a qual chegou até nós e viabilizou a “Candidatura do Figurado de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade”. Daí que não seja de admirar que, na sua reunião de 23 de Novembro de 2016, a CME tenha deliberado por unanimidade, homologar a acta da reunião da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz realizada em 7 de Março de 2016 e consequentemente, aprovar a atribuição de 7 topónimos na freguesia de Arcos e de 27 na União das Freguesias de Estremoz. Entre eles incluem-se os nomes das barristas Maria Luísa da Conceição e Quirina Alice Marmelo. Tratou-se de um atitude louvável, mas que não teve em conta os nomes de outros barristas falecidos, o que provocou celeuma na comunidade, não só no seio daqueles que ainda por aqui andam, como no espírito daqueles que já estão no outro mundo. Só assim se compreende que o espírito de Mariano da Conceição, decano dos barristas nascidos no século XX e já finados, tenha convocado um plenário de oficiais do mesmo ofício, a fim de em conjunto, poderem reflectir sobre um assunto que a seu ver é delicado para a classe.   
Na sequência dessa convocatória, os espíritos dos barristas encontraram-se e reuniram-se num local arejado e luminoso, mesmo por cima da cidade de Estremoz, que tanto dignificaram com a sua arte. Começaram por se cumprimentar, tendo em conta que alguns já não se encontravam há muito. Terminadas as afectividades, Mariano deu início à assembleia, proferindo as seguintes palavras:
- Todos sabem o que aqui nos traz. Eu, pela minha parte, sinto-me incomodado por ter uma rua com o meu nome e a Ti Ana das Peles, com qual aprendi a arte, não ter sido ainda contemplada com essa distinção.
Ti Ana das Peles intervém, desabafando:
- Não tem importância Mestre Mariano. Se calhar não sabem sequer que eu existi ou o que fiz. Mas isso, para mim não importa. 
Mariano replica:
- Tem importância e muita, Ti Ana. Foi graças a si, que a nossa arte não se perdeu, quando muitos a consideravam já extinta.
José Moreira dá o seu assentimento:
- Concordo inteiramente com o Mestre Mariano. Foi com ela que eu também aprendi a nossa arte e penso que é inteiramente justo que tenha uma rua com o seu nome.
Enérgico, Mariano prossegue:
- Ninguém diz mais nada?
Responde Liberdade, a sua mulher:
- Eu não tenho razão de queixa, pois atribuíram o meu nome a uma rua, no tempo do Presidente Fateixa, que era nosso vizinho.
A filha, Maria Luísa, sente necessidade de intervir e diz:
- Deu o nome da mãe, mas não deu o do pai, o que só fez da segunda vez que passou pela Câmara.
Quirina não se aguenta mais e confessa:
- Eu cá também não me sinto bem, por terem dado o meu nome a uma rua e não se terem lembrado do meu marido, com o qual aprendi a nossa arte.
Responde-lhe António Lino:
Não te rales mulher, que não merece a pena.
Contrapõe Quirina:
- Isso é que merece!
Lino, sente então que também dever dar a sua opinião:
- Pela minha parte, acho mal não terem dado a nenhuma rua o nome da Dona Sabina, que foi minha patroa na Olaria Alfacinha. Foi ela que a seguir a Mestre Mariano deu continuidade à arte, trabalhou durante mais tempo e criou Escola, pois foi Mestra da Isabel Carona, da Fátima Estróia e da Maria Inácia e da Perpétua Fonseca.
Sabina acha que também não deve ficar calada e argumenta:
- Eu também acho mal não terem dado a uma rua, o nome do José Moreira. É que ele foi o barrista que mais contribuiu para a divulgação dos bonecos de Estremoz. Percorreu o país de lés a lés e não houve feira ou exposição de artesanato a que ele não fosse.
Mariano intervém novamente, dizendo:
- A meu ver é também da mais elementar justiça, atribuir a uma rua o nome de Aclénia Pereira, que nos anos 40 do séc. XX foi minha discípula na Escola Industrial António Gonçalves e que foi barrista até ao fim da vida, mesmo depois de se ter transferido para Santarém, em cujo distrito foi uma grande embaixadora da nossa arte.
Aclénia embevecida pelas palavras de Mariano, confessa:
- Desde que criança que por influencia familiar gostei de artes manuais como a tapeçaria, os bordados e os registos, mas foi com os bonecos que aprendi a fazer com o Mestre, que me senti realizada.
António Lino acha que nem tudo está dito e pede para falar novamente:
- O Mário Lagartinho também não pode ficar de fora, pois além de oleiro como eu e o Mestre Mariano, também fez bonecos de muita categoria, que vendia no stand do Rossio.  
Mário Lagartinho intervém, exprimindo-se assim: 
- Vocês é que sabem. Eu sou novo por aqui e por isso tenho estado calado.
Depois de todos terem falado, Mariano com a desenvoltura que sempre lhe foi habitual, apresentou uma proposta de recomendação à Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, a qual foi aprovada por unanimidade. Diz o seguinte: “A atribuição a ruas de Estremoz dos nomes de apenas alguns barristas não é justa, pois há nomes que foram omitidos. Uns não podem ser filhos e os outros enteados. É da mais elementar justiça que na próxima atribuição de nomes a ruas da cidade, seja contemplada a memória dos barristas que agora foram esquecidos.”
Mariano ia dar a reunião por encerrada, quando com uma trombeta na mão, surge um Anjo semelhante aos que decoram o berço do Menino Jesus, que todos incluíram nos seus presépios. Diz o Anjo:
- Sou o vosso Anjo Protector e tenho estado a pairar sobre vós, sem terdes dado por isso. Quero manifestar-vos a minha inteira solidariedade face à questão que vos mobilizou. 
Seguidamente, pensando na Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, ergue os olhos para o alto e implora:
- Perdoai-lhes Pai, que eles não sabem o que fazem!
Só então Mariano dá a reunião por encerrada, dela sendo então lavrada uma acta, que sob a forma de auto, foi transmitida por sonhos ao autor destas linhas, coleccionador e estudioso do figurado de Estremoz.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Poetas em Defesa da Olaria de Estremoz - 01


Georgina Ferro (1948-).
 Professora, natural de Aldeia do Bispo (Sabugal). Reside em Estremoz.
LIVROS PUBLICADOS: - Plantas medicinais da Serra d'Ossa (2005). - Por
um Amanhã Mais Verde, Mezinhas caseiras com Plantas da Serra d'Ossa
(2005) - O meu arraiar por terras do Sabugal (2013-Poesia).

Barros de Estremoz

Realçando com sua sábia mestria
Já, Luís de Camões dizia em rima,
“Quem não sabe a arte, não a estima”
Tal é e será, como ele dizia

Os barros de Estremoz têm magia
Na arte do oleiro que os anima
Ao fazer deles a sua obra-prima
Se, desamada, finará breve dia

Os bonecos coloridos de encanto
As carminas cantarinhas à porfia
São obras de arte do maior espanto

Mas se o artesão não trabalha e cria
Fenecerá sua arte em triste pranto
Nesta cidade mais pobre e vazia

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Venham mais cinco!



É sabido que compete às Câmaras Municipais a atribuição de nomes às ruas, o que pode ser feito mediante recomendação da Assembleia Municipal e das Juntas de Freguesia do Concelho, bem como por Associações de Moradores, Culturais ou Desportivas, grupos de cidadãos ou munícipes a titulo individual.
Antes de serem objecto de deliberação pela Câmara Municipal, as propostas devem ser apreciadas por uma Comissão de Toponímia de âmbito concelhio. Só após ter recebido as propostas que lhe foram apresentadas pela Comissão de Toponímia, é que a Câmara Municipal delibera, como legalmente é de sua competência exclusiva.
Tudo isto é o que é habitual por este país fora. Todavia, há uma observação legítima que não deve deixar de ser feita. O artigo 22º do “Regulamento de Toponímia e Numeração de Polícia do Concelho de Estremoz” diz que a Comissão de Toponímia é constituída no mínimo por 3 elementos: Um eleito da Câmara Municipal que presidirá às reuniões, um representante da Junta de Freguesia da área geográfica referente às toponímias em apreciação e um representante dos CTT. Contudo, nada obriga a que a Comissão seja constituída apenas por 3 elementos. Ter só 3 ou ter mais, depende exclusivamente da vontade do executivo municipal e este tem determinado que a Comissão funcione apenas com 3 elementos.
A situação apontada leva-me a parafrasear o saudoso Zeca Afonso, recorrendo ao título da sua bem conhecida canção “Venham, mais cinco”. Pensando na Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, sou levado a sugerir “Venham mais alguns!”. 
Sabem porquê? É que há concelhos em que no início de cada mandato, a Câmara Municipal convida para integrar a Comissão de Toponímia, um certo número de cidadãos de reconhecido mérito, pelos seus conhecimentos ou estudos sobre o concelho. Esse número é bastante variável de concelho para concelho. Das inúmeras soluções encontradas, destaco: Lagoa (De 1 a 3), São João da Pesqueira (4), Portimão (5), Lagos (Até 9).
Uma opção deste tipo, valoriza a Comissão de Toponímia, uma vez que esses cidadãos de reconhecido mérito têm um espectro largo de conhecimentos e de memórias, que potenciam e valorizam a reflexão sobre a atribuição de topónimos, tornando-a mais sólida e consistente, ao mesmo tempo que pode vir a prevenir a ocorrência de omissões e de injustiças relativas, que ainda que involuntárias são sempre desagradáveis. Foi o que aconteceu na reunião da Comissão de Toponímia ocorrida no passado dia 7 de Março, cuja acta foi homologadas em reunião de Câmara, realizada no passado dia 23 de Novembro. Foram distinguidos com nomes de ruas, duas barristas já falecidas e não foram tida(o)s em conta, quatro outra(o)s barristas igualmente já falecida(o)s e que não tiveram mérito inferior às agraciadas. Uma ocorrência que causou incomodidade, que não devia ter acontecido e que urge ser corrigida numa próxima atribuição de topónimos. Uma situação que talvez não tivesse ocorrido, se a Comissão de Toponímia não fosse tão restrita.
A atribuição de um nome a uma rua, corresponde ao reconhecimento público do valor identitário da nossa Cultura e da nossa História e do mérito daqueles que com o seu exemplo e esforço, contribuíram para a edificação do presente. Constitui também um estímulo para uma cidadania activa ao serviço da Comunidade, na medida em que é uma forma de sinalizar que esta reconhece o trabalho voluntarioso e generoso dos seus membros. Daí que seja imperioso tomar providências, para que casos como o ocorrido não se voltem a repetir.